Questões sobre a parentalidade: a importância da sua manutenção no pós-divórcio.
por Andreia Silva
Atualmente tem se verificado nos
diversos segmentos sociais a importância de se discutir a questão da manutenção
da convivência do casal parental com seus respectivos filhos no pós- divórcio.
Isso pode ser corroborado por
inúmeros estudos e pesquisas na área que denotam a importância para a vida
psíquica dos filhos de pais divorciados, que em muitos casos o fim do laço
conjugal representa para os filhos o comprometimento do vínculo parental com
pelo menos um dos genitores.
Brito (2008) relata a dificuldade encontrada
por muitos homens e mulheres em diferenciar a parentalidade da conjugalidade no
contexto do pós- divorcio. Evidencia-se na separação entre casais, no que
concerne a filiação uma acentuada confusão entre os aspectos que se referem à
conjugalidade e os que se referem ao desempenho dos papéis parentais. Ainda
segundo Brito (2008 apud Souza & Ramires, 2006) os pais devem saber
diferenciar o rompimento do vínculo conjugal da manutenção da parentalidade,
com isso reduzindo a hostilidade e o nível de conflitos.
Feres- Carneiro (1998) em Casamento
contemporâneo: O difícil convívio da individualidade com a conjugalidade,
afirma que numa separação quem se separa são os pais, o casal parental
continuará para sempre com a função de cuidar, de proteger e principalmente
prover as necessidades materiais e afetivas dos filhos. Feres- Carneiro
sinaliza, ainda que, o pior conflito que
os filhos podem vivenciar, na situação de separação dos pais é o conflito de
lealdade exclusiva, quando essa é exigida por um ou ambos os pais.
Dessa forma distinguir parentalidade
de conjugalidade num contexto de separação se faz uma tarefa extremamente
delicada, pois implica entender a continuidade de uma e a descontinuidade da
outra e o impacto que esses novos rearranjos produzem na vida dos personagens
envolvidos, principalmente dos filhos.
Dolto (2003) ao considerar a
separação dos pais e os seus desdobramentos no inconsciente das crianças, fala
sobre o continuum, presente em três esferas da vida da criança: o continuum do
corpo, o continuum da afetividade e o continuum da vida social.
A noção de família se faz importante
nesse processo, de acordo com Fustier Aubertel (1998) a família tem como tarefa
fazer nascer indivíduos para vida psíquica, como berço psíquico do sujeito deve
servir de sustentação para que o recém nascido construa o seu psiquismo e
organize seu mundo interior (p.138). Segundo Meyer (2004) essas identificações
são feitas com os membros da família ou com pessoas substitutivas dos membros
da família. Dessa forma, a pessoa vai ao longo do tempo, vivendo seus conflitos
e construindo identificações que vão se condensando, decantando e formando a
personalidade. Na concepção da psicanálise clássica, a história do sujeito é a
história dos seus conflitos e das relações que ele teve durante a vida (p. 30).
De acordo com Eiguer (2000) ao falar
de laços de filiação, nos ensina que esses se referem aos laços primários dos
pais com as suas famílias de origem, a história de união desses pais e do
investimento dos mesmos na concepção da criança, a reciprocidade e o
reconhecimento dos lugares e posição dos filhos e dos pais no interior do
grupo. E é justamente esse reconhecimento que dá origem aos investimentos
afetivos como recurso fundamental para a constituição do laço de filiação (p.
14).
A função paterna por sua vez, garante
o reconhecimento dos pais. No grupo familiar circula traços identificatórios,
suscitando o compartilhamento entre os seus semelhantes.
O “ser de uma família”, existe em
cada um de nós, pois ela possibilita identificações, nos dá a noção de
continuidade e possibilita o deslocamento, o rearranjo de papéis: de filho os
sujeitos passam a ser marido esposos e conseqüentemente pais. A criança nasce
de um desejo de continuidade do casal parental. E como sugere Meyer (op cit)
essa criança nasce hipotecada, isto é, como se existisse uma espécie de agenda
para ela, já nasce com time de futebol para torcer, uma profissão para seguir e
uma série de compromissos futuros que os pais ou substitutos projetam.
Essa questão é crucial para as
famílias em processo de separação. Como a parentalidade sobrevive a esse
processo? Como garantir esse continuum aos filhos de pais separados? Como
desfazer o casal sem desfazer o ninho?
Em uma pesquisa realizada na UERJ no
Instituto de Psicologia entre os anos de 2000 e 2005 intitulada Rompimento
Conjugal e Parentalidade foram entrevistados pais e mães separados e também os
filhos de casais que passaram por esta experiência na infância. E foi realizado
também em ambos segmentos grupos de reflexão sobre as referidas experiências,
todas relatadas no artigo Alianças desfeitas, ninhos refeitos: mudança na
família no pós- divórcio.
E nessa pesquisa foi interessante
constatar que o processo de separação principalmente para a maioria dos pais
(homens) entrevistados, foi um processo doloroso, pela modificação na qualidade
da relação estabelecida com os próprios filhos. Onde foi relatado por alguns
que se soubessem que o preço seria a diminuição convivência com seus filhos
talvez não tivessem tomado a decisão se separar.
Como a guarda, segundo os
participantes era delegada a mãe na maior parte dos casos , causava-lhes
estranheza a posição de visitante dos filhos e relatavam ainda que se sentiam
despotencializados quanto à participação no processo educativo dos mesmos.
Esse distanciamento com relação ao
genitor não guardião também foi salientado pelos filhos, que expuseram que
muitas vezes durante o processo de separação eram alocados no centro do caos,
como conseqüência do divórcio as brigas mudavam de foco e passavam para a
questão da guarda dos filhos.
Constatou-se que a redução da
convivência não se traduzia apenas ao genitor não guardião, mas também a da
família extensa, muitas das vezes, a paterna, já que em alguns casos analisados
na pesquisa a guarda estava sobre o poder da mãe. Alguns dos filhos de pais
separados, que participaram de pesquisa, sinalizaram que hoje já adultos, não
construíram um laço de convivência com o pai e sequer com avós, tios e primos.
Dessa forma, entende-se a importância
de se pensar o compartilhamento da guarda, em benefício ao melhor
desenvolvimento da criança, deve ser considerada como ponto central em casos de
separação onde há filhos envolvidos. Verifica-se que muitos pais passam por um
momento de desorientação no momento em que se separam e identificamos uma série
de questões nesses indivíduos, por exemplo, como desenvolver a parentalidade
após o rompimento da conjugalidade.
Destaca-se enfim a necessidade
urgente de que esses pais, mesmo com o rompimento de um projeto inicial
consolidado com a união conjugal e a parentalidade, ainda sim, sejam ambos os
sujeitos ativos, capazes de intervir nas diversas esferas da vida de seus
filhos.
REFERÊNCIAS
ANDRE FUSTIER, F; AUBERTEL, E (1998). Transmissão Psíquica Familiar pelo Sofrimento. IN: EIGUER, a (org). A transmissão do psiquismo entre as gerações. São Paulo: Unimarco, p. 129-179.
BRITO, Leila M. Torraca de (2008). Alianças desfeitas, ninhos refeitos: mudanças na família pós- divorcio. In: Famílias e separações: perspectivas da psicologia jurídica. Rio de Janeiro: Edu UERJ.
DOLTO, F (2003). Quando os pais se separam. Rio de Janeiro: Zahar.
FÉRES-CARNEIRO, T. (1998). Casamento contemporâneo:O difícil convívio da individualidade com a conjugalidade. Psicologia: Reflexão e Crítica,11(2), 379-394
MEYER, L (1984). Família dinâmica e terapia: uma abordagem psicanalítica. São Paulo: Brasiliense.
Nenhum comentário:
Postar um comentário